segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Ética Cristã Pessoal

O cristão aceita a Bíblia como sua regra em questões de fé e prática. Isso significa que a ética cristã não estabelece uma dicotomia entre sagrado e profano, entre religioso e secular, entre o domingo e os demais dias. Para o cristão, ética e religião andam juntas. Ser cristão é viver a fé cristã com todas as suas implicações. Neste estudo falaremos da ética pessoal e no próximo da ética comunitária, a partir das diretrizes éticas gerais da Palavra de Deus.
.1. O CRISTÃO COMO PESSOA
O termo “pessoa” indica o ser humano na sua relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Estas três relações constituem o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo e, numa perspectiva ética cristã, apontam para o diferencial que lhe foi conferido por Deus frente ao restante da criação. A ética, sob o ponto de vista cristão, apóia-se na dignidade do homem, enquanto ser que se relaciona com Deus, com o mundo e com os outros.
Enquanto ser que se relaciona, o homem vai descobrindo direitos e deveres que se delineiam em relação a cada um dos itens que constituem o seu ser-no-mundo. Acontece que vivemos numa época onde as pessoas se recusam em admitir suas responsabilidades. Mas, desde o relato da criação e queda do ser humano, vemos que a nossa liberdade implica em responsabilidade pelas nossas ações e escolhas (Gn 2.15-17).
2. O CRISTÃO E O CORPO
O termo corpo (grego, soma) apareceu pela primeira vez nos escritos de Homero, significando um cadáver de homem ou animal. Este significado foi conservado até o século V a.C., quando passou a ser empregado com o sentido de corpo inteiro e, por extensão, da pessoa inteira.
Nos filósofos pré-socráticos, teve o significado de “elemento”, “figura”, denotando aquilo que é corpóreo. Mas, à medida que foi sendo desenvolvida a idéia de que a alma está no corpo, o corpo passou a ser visto como uma corrente ou sepulcro para a alma, como em Pitágoras e Platão. Assim, a alma seria pré-existente ao corpo e encontraria na morte a sua libertação. Para Aristóteles, a alma não pode existir separadamente do corpo. O corpo é aquilo através do qual a alma se torna algo particular e o vínculo entre alma e corpo é indissolúvel. Não pode haver espírito sem matéria nem matéria sem espírito. Para epicuristas e estóicos, a alma perece juntamente com o corpo.
No AT, o corpo é a pessoa mesma. O menosprezo ao corpo, como sendo a sede das paixões, ocorre apenas na literatura do período interbíblico, bastante influenciado pelo helenismo. Para o NT, o corpo não é visto como algo desprezível, nem é a prisão da alma (Rm 6.12; 12.1; 1Co 7.4; 9.27; 1Co 13.3). A existência corpórea é concebida como sendo o modo normal e próprio da existência; soma é um elemento essencial e não um elemento secundário na existência humana.
A Bíblia fala da natureza pecaminosa do ser humano, mas isso não significa que o nosso corpo seja mau. Diferentemente do dualismo clássico, o cristianismo não prega a desvalorização do corpo. A idéia de uma alma eternamente separada do corpo é negada pela certeza da ressurreição escatológica dos justos e injustos (Jo 5.28-29). A doutrina da ressurreição ressalta a importância da unidade corpo-alma, e sob esta perspectiva, podemos afirmar que a pessoa é o seu corpo, ou seja, a personalidade humana não é separável da nossa consciência do corpo humano.
A natureza pecaminosa do ser humano indica que, “no ser corporal, há diversas e poderosas forças que transformam a personalidade individual num campo de batalha”. Tais forças apontam um conflito entre as inclinações naturais do ser humano e a nova natureza daquele que está em Cristo, ilustrada por Paulo na tensão entre a carne e o Espírito (Gl 5.16-25). Na Bíblia, a palavra carne designa, por exemplo, o corpo físico (Gn 2.23; 1Pe 3.18; 1Jo 4.2), mas, às vezes também pode ser empregado num sentido negativo designando “o homem em sua situação espiritual de queda, pecabilidade e rebelião contra Deus. (…) A carne é um poder alheio, hostil, que exerce domínio sobre o homem e do qual precisa libertar-se”.
Diante da tensão entre o ser e o dever-ser na vida pessoal do cristão, destacamos o seguinte:
(1) O pecado e a morte não residem na corporalidade em si, mas em sua condição espiritual deformada, que é a natureza humana decaída resultante da queda original (Rm 6.6,12; 8.13);
(2) além disso, as inclinações negativas da carne devem ser mantidas sob sujeição, a fim de que não dominem sobre a vida espiritual (1Co 9; 2Co 4.16);
(3) O autocontrole sobre as inclinações naturais do corpo é obtido através das disciplinas espirituais e do reconhecimento de que o corpo também deve ser um instrumento para o serviço e louvor de Cristo (Rm 12.1; 1Co 6.15,19);
(4) lembremos ainda que os próprios corpos dos crentes ficarão livres das paixões pecaminosas e serão redimidos no dia da salvação consumada.
3. O CRISTÃO E A PRÁTICA DAS VIRTUDES
A nossa responsabilidade moral requer que busquemos as virtudes e evitemos os vícios. “Na linguagem ética e religiosa, virtude (grego, areté) indica ou os bens que as pessoas justas e retas perseguem, ou as prerrogativas de que se acham dotadas, ou as qualidades em virtude das quais realizam o bem”. Com Platão e Aristóteles, foi feita a elaboração clássica do termo, indicando-a como prerrogativa do espírito humano. Sendo que Aristóteles distinguiu virtudes morais e intelectuais. Ao examinarmos a tradição bíblica, podemos encontrar de forma abundante todos os elementos que integram o conceito de virtude.
Por outro lado, “vício” (grego, kakía) é o contrário da virtude, e indica a falta ou deficiência de alguma característica que um objeto qualquer deveria ter. Vício indica deficiência, falta, ausência de uma virtude particular. Se levarmos em consideração a concepção aristotélica, a virtude é o meio-termo entre dois vícios, um por falta e outro por excesso daquela qualidade em particular.No NT, o termo “virtude” aparece apenas em Fp 4.8, 1Pe 2.9, 2Pe 1.3,5. E, no caso de Fp 4.8 e 2Pe 1.5, aparece dentro de listas de virtudes e vícios, à semelhança do que acontecia na filosofia grega, referindo-se ao comportamento moral que se esperava dos cristãos. Os catálogos gerais de virtudes e vícios estão presentes principalmente nas epístolas paulinas (especialmente Rm 1.29-31; 1Co 5.9-10; 6.9; 2Co 12.20-21; Gl 5.19-23; Fp 4.8; Cl 3.5,12; 1Tm 3.1-13; Tt 1.5-9; 3.3), sem falar nos muitos casos onde virtudes ou vícios são tratados isoladamente.
Assim, no NT, as virtudes são qualidades morais sempre relacionadas como indicativos da obra regeneradora e transformadora do Espírito Santo no cristão. Por isso, em Gl 5.22-24, Paulo alista as virtudes cristãs ou frutos do Espírito Santo, que representam a vitória do Espírito sobre a carne ou natureza sensível marcada pelas paixões e desejos: “Mas o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade. a mansidão, o domínio próprio; contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências”.
Desta forma, a nova vida em Cristo é dominada pelo Espírito e não pelas paixões e vícios da natureza pecaminosa do ser humano. A ética pessoal cristã é um chamado à responsabilidade individual e à reflexão quanto ao tipo de homens e mulheres que desejamos e precisamos ser. A ética cristã encontra na Bíblia, desde o relato da criação e da queda, um chamado à autoconsciência humana. É um chamado divino a reconhecermos o valor das nossas escolhas e ações. Mas, na vida cristã, o exercício da virtude não é o resultado apenas da força de caráter do cristão. Pelo contrário, é algo possibilitado ao crente pela presença do Espírito em sua vida, de onde ele recebe sua força para viver eticamente e o poder e a graça para atualizar potencialidades que glorificam a Deus.

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